“O mundo existe se eu não o estou vendo?” A narradora se pergunta enquanto o olhar aéreo se desloca por um mundo, todo feito de blocos, que constrói-se conforme nele se avança: um oceano ou uma floresta brotam no horizonte e desaparecem à medida que nos aproximamos - como as paisagens na janela de um trem.

O cenário do jogo Minecraft. Parece um mundo infinito “gerado pelo olhar que cai sobre ele”.

O desenvolvimento da representação no campo da computação gráfica é o tema da série Parallel, de Harun Faroki. Composta de 4 curtas que abordam diferentes aspectos desse mundo paralelo que é, progressivamente, mais parecido com a imagem fílmica; entretanto, radicalmente diferente desta por independer absolutamente do espaço natural. Nesse espaço os objetos são permeáveis, não há diferença entre espaço vazio e espaço ocupado até que se determine o contrário. “Os objetos não tem nenhuma existência para além deles mesmos, eles são por si mesmos nada. Cada uma de suas características devem ser especialmente construídas” (PARALLEL I-IV, 2012-14, tradução nossa). a natureza programada segue suas próprias regras.

“As imagens da computação gráfica tentam alcançar o efeito das imagens fílmicas, elas querem ultrapassá-las, deixá-las para trás. Os criadores das imagens de computador não querem atrair dezenas de pássaros gregos, o paraíso deles deve ser habitado por criaturas por eles desenhadas” (PARALLEL I-IV, 2012-14, tradução nossa). A narradora comenta a perspectiva da representação digital em relação à uma lenda sobre a pintura de flores e frutos na Grécia antiga. Na lenda, os pássaros confundem a representação com as flores de fato, a referência das imagens da computação são a própria representação, afasta-se exponencialmente do referente real.

Em pouco mais de três décadas o desenvolvimento das imagens digitais passou da abstração simbólica ao realismo fílmico como se percorresse uma história emancipada dos materiais do mundo. Imagem técnica, código desde sua primeira aparição, herdeiras diretas da perspectiva renascentista, essas imagens nasceram intimamente ligadas à ciência e a técnica, espaço próprio do homem.

Em outra cena, quando o olhar penetra a superfície do oceano, ele se mostra, supreendentemente, apenas superfície, não há água abaixo dela, apenas um reflexo invertido do mundo. A superfície é tudo o que é visível, nesse mundo tudo é superfície.

O mundo visível é o mundo da representação, nosso olhar foi educado pelas imagens, em um espaço paralelo, espaço do quadro, da tela, um outro horizonte foi desenvolvido para ser exclusivamente dedicado à visualidade, destacado da sensibilidade. A visualidade transporta a presença do aqui e do agora para um outro lugar: meu corpo no avatar cavalgando no deserto; aqui atravessar um arbusto é tornar-se arbusto, quase como numa lição zen, mas o que eu sinto quando me torno arbusto?