Só pude descobrir o que se passava com o som ouvindo o discurso de Alvin Lucier:

“Estou sentado em um quarto diferente do que você está agora. Estou gravando o som da minha voz falando e eu vou tocá-la de novo no quarto, de novo e de novo até que as frequências ressonantes do quarto se imponham de maneira que qualquer aparência do meu discurso, talvez com a exceção do rítmo seja destruída. O que você ouvirá, então, são as ressonâncias naturais do quarto articuladas pelo meu discurso. Eu vejo essa atividade não tanto como a demonstração de um fato físico, mas mais como uma forma de suavizar qualquer irregularidades que minha fala possa ter” Alvin Lucier, I am sitting in a room, CD New York: Lovely Records, 1990 [1970] – disponível em: youtube.com.

Volume

A experiência de Lucier, na interpretação de Christof Migone, não serve de cura à gagueira do emissor se acaso fosse essa irregularidade que pretendia dissolver, mas as palavras e todas as suas irregularidades transformam-se em ação. Manifestação performática de matéria sonora, as palavras já não significam, “a linguagem está desancorada de seu pier sintático e o temporal é descoberto, não mais a linha da história, mas simples linhas atravessando, cruzando, amarrando o espaço” (MIGNOE, 2003: 3). Migone aproxima esse procedimento da noção de representação (não-representação) no teatro da crueldade, de Antonin Artaud, no que diz respeito à insubordinação à escritura (como ordenação) como apontado por Derrida (1995: 157), uma “experiência produtora de seu próprio espaço. Espaçamento, isto é, produção de um espaço que nenhuma palavra poderia resumir ou compreender (…) fazendo assim apelo à um tempo que já não é mais o da linearidade fônica; apelo à uma nova noção do espaço e a uma ideia particular do tempo”, ideia ligada à do movimento. Nesse sentido, a palavra e a escritura funcionariam “voltando a ser gestos”, "servir-se da palavra num sentido concreto e espacial” (ARTAUD Apud. Derrida, 1995: 157) a linguagem encarnada.

Se é possível encontrar ecos da crueldade de Artaud em ‘’i’m sitting in a room’’, a despeito de ser considerado um álbum conceitual, é certamente por essa qualidade dessublimada do som das palavras devolvido pelo espaço, mais produtora de massa do que de sentido, construtora de uma temporalidade que é a da ocupação total do espaço “não apenas nas suas dimensões e no seu volume, mas, se nos é permitido dizê-lo, nos seus interiores” (ARTAUD Apud. Ibidem: 162). Um tempo volumizado, na medida em que o volume é tratado como uma variação do espaço no som, é também um tempo espacializado, e nesse sentido uma imagem do tempo.