Bem mais do que a Las Vegas de Venturi, Hollywood merecia uma tese de urbanismo, já que se tornou depois das cidades-teatro da Antiguidade e da Renascença italiana, a primeira CINECITTA, a cidade do cinema vivo onde fundiram-se até o delírio, o cenário e a realidade, os planos de cadastro e os planos-sequência, os vivos e os mortos-vivos. Aqui mais do que em qualquer outra parte, as tecnologias avançadas convergiram para moldar um espaço-tempo sintéticos. Babilônia da desrealização fílmica, Hollywood foi construída bairro por bairro, avenida por avenida, sob o crepúsculo das aparências, o sucesso dos procedimentos ilusionistas, o impulso de produções espetaculares como as de D.W. Griffith, em um prenúncio de urbanização megalônoma da Disneylândia, Disneyworld e Epcot-Center.

Hoje quando Francis Ford Coppola realiza One From the Heart incrustando seus atores, através de um processo eletrônico, nos planos de uma Las Vegas em tamanho natural reconstruída no estúdio da Zoetrope Company, em Hollywood, simplesmente por que não queria que suas filmagens se adaptassem a cidade real, mas sim esta se adaptasse às suas filmagens, ele ultrapassa em muito Venturi, ao demonstrar menos a ambiguidade arquitetural contemporânea do que a característica “espectral” da cidade e de seus habitantes (VIRILIO, 1993: 20).

O filme se inicia, depois de uma longa tomada de créditos em reproduções computadorizadas de cenários de Las Vegas, aproximando-se da vitrine de uma agência de viagens onde a protagonista, Frannie (Teri Garr), monta uma NY dos sonhos, como se ali chegássemos ao locus real da trama, um espaço construído, atraente e luminoso atravessado pelo reflexo de um exterior movimentado, também construído e luminoso. O céu artificial e o excessivo uso de neon no filme criam uma atmosfera persistentemente confusa entre interior e exterior. O encontro amoroso que marca a virada na trama surge de um olhar na vitrine: Frannie está em Bora-Bora, do outro lado do espelho, o que permite que miremos tanto sua face quanto a do futuro amante, o olhar e ser olhado se concretizam em uma imagem exterior na triangulação entre os personagens e o espectador.

Nesse intercâmbio observador-observado, a circunstância e a instabilidade da imagem retratada por Atget operam tensionando valores de fidedignidade e verossimilhança atribuídos à fotografia. Ordenados pelo ângulo de tomada praticado pelo fotógrafo, o olhar não realiza a expectativa por uma abordagem objetiva e distanciada do tema, pelo contrário, o riso plasticizado, o olhar altivo e penetrante dos manequins, a matéria reflexiva que se acomoda sobre o análogo esperado de uma vitrine conduzem o observador a dividir sua atenção e a encontrar outra lógica que cada vez mais permeia a metrópole moderna: a temporalidade fugaz que sucessivamente apresenta e dissipa os espaços percebidos sob o caminhar inebriado do transeunte (COSTA, 2016: 60).